quinta-feira, julho 03, 2008

A Sombra do que somos...


A Sombra do que somos ... do que sonhamos ser ... do que nunca nos tornamos ...

Este é um daqueles dias. Tenho de sair de mim. Não aguento. A vontade de partir, de me rasgar da minha própria alma, de apagar os meus pensamentos, de raptar a minha vida.

Pego nas chaves do carro e parto. Não! Merda! Esqueci-me do livro. Saio do carro, abro a porta de casa, sala, quarto, cozinha, corredor, porra que nunca sei onde ponho as coisas.

Debaixo da cama. Espreito. A capa. Vazia.

Pego no livro, nas chaves, nos chinelos, fecho a vida atrás de mim.

Abro a porta do carro, fecho, levo as chaves à ignição, porra que nunca pega à primeira, estás como eu, agarrado à rotina.

Arranco e deixo atrás de mim uma nuvem de poeira na estrada. Deixo as palavras que me corrompem o cérebro, deixo os gestos que se despegam de mim, o sorriso falso quando finjo ser simpática com as pessoas, o pesadelo de pensar em estar com alguém ...

Porra, onde estou? Já nem sei há quanto tempo ando na estrada ... terrinha simpática, esta! Branca, minimalista, quase que pura, não fossem os olhares que me perturbam das gentes que passam ...

Saio do carro ... sento-me na berma da estrada. Sem alcatrão. Calçada. Não eu, a estrada. Eu deixei os chinelos no carro ... que horror! Tenho os pés pretos. Como a minha alma.

Passa um velho por mim. Curiosamente são os únicos que tenho paciência para aturar. Das pessoas em geral. Já lhes resta pouco tempo. Não se preocupam em agradar, são falsos, estão-se nas tintas para mim, porque já não conseguem agarrar a vida quanto mais ter forças para lutar contra a minha antipatia.

Olha-me fixamente. Não me vê. Concentrou-se nos meus pés descalços e na minha alma despida.

Merda! Esqueci-me do livro no carro. Levanto-me, abro a porta, onde raio pus o livro?, lá está, a capa preta, nua, vazia.

(Re)sento-me. Porra que só agora me apercebi que a calçada estava quente. Tenho a sola dos pés a queimar!

As pernas cruzadas. O livro aberto. Olho em volta, olho as páginas, olho em volta. Nunca me consigo concentrar à primeira! Nunca me consigo concentrar sequer. Não consigo fazer distinção entre a ficção do meu livro e a realidade que não me consegue rodear. Porquê eu? Porquê aqui? Porquê neste momento? Porque passa o velho por mim, agora, não daqui a pouco quando já não estou cá?Porque me olha olhos nos olhos sem me dizer nada, porque me pensa, porque me fica no pensamento? Que sentido faz tudo isto?

Que sentido? Que sentido fazem as sombras? Que sentido fazem existir?

Que sentido...

faz...

EU existir?

2 comentários:

Anónimo disse...

olá,

pressinto que palmilhamos a mesma estrada, os mesmos caminhos, dores e paixões semelhantes e vivemos perto...

por vezes é bom falar com quem não vemos e partilhar... para dividir o que nos consome.

(também podemos trocar dicas sobre a horta ou o jardim)

Anónimo disse...

Há muito tempo que leio o seu blog, gosto da forma como exprime o que sente. Sinto amargura, tristeza no que escreve, amores, desamores, paixões que se perdem no tempo.
Todos temos ( aqueles dias) que nada se esquece, tudo volta , dor, raiva, frustração. O sonho inacabado!